segunda-feira, 15 de novembro de 2010

• Politicamente correto

- Querido, você me acha bonita?

- Eu não diria bonita, pois se trata de um conceito adotado pelas classes dominantes para classificar animais humanos dentro de padrões de beleza culturalmente preestabelecidos.

- Isso quer dizer que sou feia?

- Cosmeticamente diferente é o termo mais adequado.

- Mas, você ainda me ama?

- O amor é um sentimento inventado pela burguesia com intuito o de subjugar os indivíduos ao único modo de pensar a sociedade, tirando-lhes a razão e o senso crítico.

- E daí?

- Daí, que nutro por você um sentimento de co-participação em interesses de ordem habitacional, econômica e sexual.

- O quê? Quer dizer que você só me quer como faxineira e prostituta?

- Não se diz faxineira e, sim, higienizadora ambiental. E tratar parceiras sexuais alugadas como prostitutas não é politicamente correto.

- Você deve estar louco.

- Emocionalmente fora do padrão.

- Bem que me avisaram que você era um chato.

- Chato não, pessoa interessante de maneira diferente.

- Como fui cega...

- Desprovida de capacidade visual é mais correto.

- Não sei por que casei com você!

- Você não sabe porque se submeteu a uma prostituição oficializada.

- Idiota.

- Pessoa com idéia fixa.

- Pra mim, chega! Vou procurar um amante que me queira.

- Você não precisa recorrer a este tipo de relacionamento com padrão não convencional, nós ainda podemos partilhar uma co-existência saudável como duas pessoas com referências diferenciadas da cultura dominante.

- Prefiro conviver com um lavador de carros a continuar com você!

- Sua preferência em manter uma co-habitação de caráter afetivo com um especialista em aparências de veículos, não lhe dá o direito de comparar opções de meio de sobrevivência alternativo com o meu comportamento que se diferencia dos dogmas do status-quo.

- Ah, por que você não pode ser uma pessoa normal?

- A normalidade é uma convenção imposta.

- Chega, não agüento mais! Quero que você morra.

- O que você deseja é ver -me transformado num indivíduo metabolicamente inviável.

Ela pega o revólver que está sobre o criado-mudo, ou melhor: ela pega o revólver que está sobre o auxiliar doméstico oralmente prejudicado e atira no peito dele. Ao vê-lo caído no chão, todo ensangüentado, ela o abraça.

- Perdão, querido, eu sou uma burra!

No último suspiro, ele a corrige.

- Pessoa com uma lógica muito particular.

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