quarta-feira, 13 de outubro de 2010

• L’Aquila

A reconstrução de uma cidade
devastada pelo terremoto

Reportagem e fotos: Danilo Almeida

L' Aquila

Com esmero e um certo ar de resignação, a historiadora de arte Irene Castelli esfolia, com um pincel, um por um dos blocos e pedras que formavam o teto da igreja de Santa Maria Paganica, levantada no século 14 e destruída há exato um ano pelo terremoto que devastou L’Aquila, 100 km a leste da capital italiana. “Não sei te dar previsão alguma de quando esse trabalho vai terminar”, diz. Paciência tem sido a palavra-chave na reconstrução da cidade.

A igreja fica na chamada zona vermelha, uma área de cerca de 1 milhão de metros quadrados bem no centro histórico, fechada por grades e vigiada por soldados do Exército. Por suas vielas medievais passam apenas técnicos, operários, policiais e gente expressamente autorizada. À noite, o silêncio só é interrompido pelo barulho do vento e pelos estalos de uma ou outra construção que ainda pode desabar. Parece uma cidade-fantasma.

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Nessa área interditada – a que eu tive acesso tempos atrás – está o que sobrou da história e dos prédios que faziam de L’Aquila um dos principais cartões postais italianos. A torre de uma outra igreja caiu; a sede de uma universidade é toda rachaduras e vidros quebrados; o térreo de algumas casas acumula o entulho dos pisos superiores que ruíram. O ar ainda é todo empoeirado, nada foi reconstruído.

“Ainda estamos no trabalho de dar segurança aos restauradores. Não é uma tarefa rápida, mas artística, que leva tempo”, diz o operário Giuseppe Collaiuta, 70. “Acho que não vou estar vivo quando estiver tudo reconstruído.” Pelo cálculo mais otimista da prefeitura, serão mais 20 anos de espera , ao fim dos quais terão sido consumidos, estima-se, € 12 bilhões (o equivalente a quase R$ 28 bilhões agora em outubro de 2010).


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"À noite, o silêncio só é interrompido pelo barulho do vento e pelos estalos de uma ou outra construção que ainda pode desabar. Parece uma cidade-fantasma."


Estrago tem pela cidade toda, não só na zona vermelha. Nos edifícios, o primeiro piso é sempre o mais danificado. É uma cena comum: paredes quase inteiras estão no chão e, pelo vão, dá para ver camas, guarda-roupas e objetos pessoais. Muitos dos que tiveram de sair para rua às pressas naquela madrugada de domingo para segunda nunca mais puderam voltar para casa.

Ainda hoje, por volta de 10 mil imóveis severamente danificados estão vazios. Num residencial perto do centro, a porta de saída mantém os vidros quebrados e manchas secas de sangue. Naquele 6 de abril, como era de madrugada, a passagem estava trancada. Na correria, alguém se cortou ao quebrar os vidros, lembra um morador, que tem ali, entregue ao destino, seu apartamento avaliado em € 100 mil (R$ 250 mil).


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Não muito longe, fotos de oito universitários, flores e cartazes com mensagens de protesto estão pendurados na cerca que isola a “casa dos estudantes” – nome que ficou conhecido o local em que eles moravam e morreram.

No centro histórico, são centenas de molhos de chaves presas às grades. É a forma de os comerciantes reclamarem de demora na reconstrução. Numa cidade de economia até então preponderantemente turística, o prejuízo é incalculável. Mas a prefeitura frisa que, neste primeiro ano, a prioridade foi dar um teto aos desabrigados.

Difícil encontrar um único entre 70 mil moradores que, de algum modo, não tenha sido afetado – 308 morreram, aproximadamente 1600 ficaram feridos. “Nos cinco meses seguintes ao terremoto, eu despertava assustada toda noite entre 3 e 4 da manhã (o tremor foi registrado às 3h32). Acontecia isso com muita gente”, recorda Rosana Luciane.


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Segundo números da prefeitura, um terço de toda a população ainda mora de improviso, a grande maioria em conjuntos habitacionais construídos às pressas nos subúrbios da cidade. Até que os prédios ficassem prontos, no fim do ano passado, carros, tendas em campos de futebol e casas de parentes serviram de moradia.

Os novos apartamentos são de dois quartos, cerca de 50 metros quadrados e relativamente bem acabados. O custo aos moradores são as contas de água, gás e luz. Quando tiverem a casa reconstruída, sabe-se lá quando, devem ceder o espaço para universitários.

Rosana Luciane vive essa situação. Antes ela morava do lado do trabalho, agora leva até uma hora no percurso. Como todo morador de L’Aquila, garante que vai se acostumando a ter paciência. “É um teto, está bem, mas não é a minha casa. Ela podia ser feia, pequena, mas era minha. Como não há o que fazer, resta esperar.”

Danilo Almeida [drcalmeida@hotmail.com] é repórter e já trabalhou no Diário de Mogi, Mogi News, Jornal Agora e Band News, entre outros. Estava na Itália durante a Copa do Mundo 2010, quando escreveu esta matéria, que inclusive ainda aguarda a publicação nos jornais. Você leu primeiro aqui.

Por isso que Tem Coisa que Você Só Vê Na Zona.

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