domingo, 4 de setembro de 2011

• A mulher e seus climas


A Mulher e Seus Climas
(Arthur da Távola)

A mulher não é ela.

É o clima dela.

Melhor do que perfumes é o cheirinho de banho recente
que se descobre no cabelo e na nuca ou de capim
cheiroso espalhado no armário e herdado pela blusa ou
camisola.

Nada de voz aguda. Um tom de médio para grave é
preferível.

Uma gota de rouquidão incentiva.

Nada de perfeições! Nem de corpo, nem de inteligência e
espírito. Só de caráter.

Mulher mau caráter é tão raro quanto repulsivo.

O importante é mesmo ter algo de errado no corpo ou no
rosto, atraentes.

Certos pequenos erros acentuam traços ou detalhes que,
isolados, crescem muito e ganham o todo.

O lábio um pouco mais grosso, seios com bicos
estrábicos, alguma penugem de que ela não goste mas
necessária, o nariz um pouco maior do que ela
desejaria, tudo isso aquece a atração.

Carinho tem hora. Não hora marcada, mas hora adivinhada.

Carinho fora de hora, eriça.

Olhar de uma tristeza tão antiga quanto encarnações é
forte fator de atração.

Lágrimas a postos. Sempre.

Por favor, nenhuma bronca com barriguinha ou descuido
nosso.

Nada de exigências ascéticas, dietéticas, apologéticas
ou ideológicas.

Mulher que atrai e mantém o seu homem é a que gosta
mais de alguns defeitos dele do que de uma perfeição
idealizada ou basbaque certinho demais.

Mas honradez ele deve ter.

Mulher deve falar como quem insinua em vez de ordenar.

Pedir como quem ajuda; saber esperar.

E não pode ficar falando "eu acho" toda hora, nem
descuidar-se das unhas dos pés.

Pudor é essencial.

Mas um pudor velado, revelado apenas na linguagem sutil
mas eloqüente de seu corpo, no modo de se encolher na
cadeira ou cruzar os pés.

Rebolados, só os muito suaves e discretos. Mas
evidentes.

Ser friorenta é indispensável.

Se for possível preferir o silêncio - entre reclamar e
reivindicar, salvo quanto tenha muita razão - melhor
ainda.

Se não for assim, que venha a bronca, mas com mansidão.

E depois não permaneça a resmungar.

Que goste de eventuais e raros pilequinhos, jamais de
alcoolismo.

Que ame beijar.

Aprecie e valorize gentileza e adore ser deixada cruzar
a porta na frente.

Pisar firme, mas leve.

Mulher não deve chegar, deve aparecer.

Não deve entrar, deve aproximar-se.

Não deve mastigar, deve diluir.

Não deve engolir, deve sorver.

E por favor, cuspir, jamais.

Só no consultório dentário...

Ar de brincadeira antes de amar é receita infalível.

E dormir o mais encolhidinha possível e depois acordar
solta, confiante no sono.

Em viagens é essencial cuidar da gente.

E guardar sempre uma surpresa para ser dada de repente.

Sim, ser bela nada tem com ser bonita.

É muito mais.

Porque a mulher não é apenas ela.

É também o clima dela.

Artur da Távola, o pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros, (Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1936 — Rio de Janeiro, 9 de maio de2008) foi um advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político brasileiro.

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