Herculano Barreto Filho (Jornal Extra)
As múltiplas personalidades de Ivone Fernandes de Mendonça não se limitavam à cor dos cabelos. Gaúcha, como ficou conhecida no crime, trabalhou como servente de pedreiro, ganhou a vida como garota de programa, foi mãe de família, estelionatária, presidiária em reabilitação e morreu como bandida, com uma arma na mão e disposição para atirar. — Todos os dados cadastrais dela eram falsos. Isso dificultava a localização dela. Ao longo do tempo, ela foi se profissionalizando no mundo do crime. Era ardilosa, sedutora e demonstrava frieza na hora de agir — disse o delegado Ruchester Marreiros Barbosa, da 18ª DP (Praça da Bandeira), que investiga a tentativa de assalto a um restaurante na Tijuca, nesta segunda-feira. Até o local de nascimento passa uma impressão equivocada sobre suas origens. Nasceu em Tubarão, em Santa Catarina, há 34 anos. Mas de catarinense tinha apenas a identidade. A filha mais velha do serralheiro Jorge Ribeiro Mendonça e da dona de casa Marta Fernandes Mendonça foi criada numa casa simples em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre.
Gaúcha era sedutora e carismática
Ela teve infância pobre, vivida numa rua de chão batido e calçada de grama na Vila Elza, divisa com Alvorada, um dos municípios mais violentos do Rio Grande do Sul. Lá, casinhas com portões enferrujados parecem proteger só a roupa no varal, com cães vira-latas latindo com a aproximação de quem passa pela rua, quase sem carros. No casebre onde Gaúcha foi criada, o portão é de madeira. Na Escola Estadual Nisia Floresta, próximo à casa onde ainda moram a mãe, o irmão e a filha de 16 anos da criminosa, a lembrança da aluna magra e estudiosa agora serve apenas de contraponto ao seu trágico destino.
A criminosa foi criada num casebre humilde em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre. Na casa, moram a mãe, o irmão e a filha dela
— Era uma guria alegre. Todo mundo por aqui ficou surpreso — comentou o diretor Renato Maciel, ex-professor da criminosa, que parou de estudar até a 5ª série. Ainda adolescente, deixou a casa dos pais para ganhar o mundo. Acabou como garota de programa numa boate em Capão da Canoa, litoral gaúcho. Mas a trajetória de prostituta não durou muito. Gaúcha deixou o prostíbulo após conhecer Volmer Rodrigues dos Santos, segurança de casas de veranistas, alvo fácil de assaltantes no inverno. Volmer largou a mulher e quatro filhos pequenos para ficar com ela. O casal tinha hábitos curiosos. Gaúcha usava botas, roupa camuflada e saía com o marido, interrogando as pessoas.
Escola onde Ivone estudou até a 5ª série
— Ela dizia que era detetive. Fantasiava com isso. Era alegre, gostava de conversar e de aproveitar a vida — lembra o corretor de imóveis Lourival Schmitt Dicksen, de 62 anos. Deixou a cidade com o marido e uma filha pequena, sem que ninguém soubesse o destino. Aos 25 anos, foi presa por estelionato e receptação. Depois de solta, tentou levar uma nova vida no Rio. Mas foi, novamente, atraída para o mundo do crime. E quando voltou a Viamão para visitar a família, no fim do ano passado, apareceu com roupas de grife e boa aparência. Bem diferente daquela garota que trabalhou até como servente de pedreiro para ajudar no sustento de sua família.
Com os cabelos pretos, Gaúcha aparece na foto com o namorado Play
Gaúcha e Play, estilo Bonnie e Clyde tupiniquim
Quando participava de um roubo, os movimentos de Gaúcha eram naturais, como se não houvesse tensão em apontar uma arma para quem quer que fosse. Durante a tentativa de assalto ao restaurante da Tijuca, na segunda-feira, a bandida manteve a mesma frieza demonstrada em outros crimes quando foi abordada por um dos policiais militares que impediram o crime. — Você tem identidade? — perguntou o policial. — Tenho duas — respondeu Gaúcha, enquanto puxava uma arma da bolsa, sem qualquer tipo de hesitação. O PM ficou sem reação. Só escapou da morte porque um colega percebeu que a criminosa iria atirar e a baleou.
Ivone Fernandes de Mendonça, a loura morta na tentativa de assalto ao restaurante da Tijuca, cantou no Festival da Canção, quando ainda estava presa
Gaúcha reeditou uma versão própria, contemporânea e tupiniquim de Bonnie e Clyde, casal de criminosos que aterrorizou os Estados Unidos na década de 30. — Ela teve um relacionamento com um cara certinho, que gostava dela. Só que ela tinha atração por bandido — lembra José Júnior, coordenador do AfroReggae, onde Gaúcha trabalhou como recepcionista, após ser beneficiada pelo regime semiaberto. Gilberto Nascimento da Silva, o Play, de 36 anos, seu companheiro há 5 anos, foi seu parceiro em pelo menos dois roubos. No celular de Gaúcha, a polícia encontrou fotos do casal num jet-ski e mensagens de amor do casal bandido.
Gaúcha e Play estavam juntos há 5 anos e eram cúmplices nos crimes
OS FATOS
O começo no crime - Em julho de 2002, aos 24 anos, foi indiciada por estelionato e receptação ao ser encontrada com talões roubados em Porto Alegre. Em dezembro, tentou abastecer o carro com um cheque roubado. Em janeiro de 2003, foi presa no Aeroporto Salgado Filho enquanto tentava comprar biscoitos, salame, garrafas de vinho e licor com cheque roubado. Briga na prisão - Naquele mesmo ano, Gaúcha foi presa por estelionato e receptação enquanto tentava comprar dois pacotes de fraldas descartáveis e uma camisa numa farmácia. Dois meses depois, se envolveu numa briga no presídio feminino. Rolling Stones - Saiu de Porto Alegre e tentou recomeçar a vida no Rio, em 2006, sob o pretexto de assistir ao show dos Rolling Stones em Copacabana. Mais uma vez, foi seduzida pela vida do crime e acabou presa, em novembro.
Gaúcha deixou para trás uma bolsa com identidade falsa, durante fuga por buraco do ar-condicionado, após roubo às Lojas Americanas, em Botafogo
Baleada em roubo - Na ocasião, Gaúcha atirou na dona de uma pizzaria, em Botafogo, para roubar o seu carro. Nem a chegada de um policial a intimidou. Ela rendeu um motociclista para fugir e baleou o PM. Ele revidou e ela foi atingida na perna, antes de ser rendida e presa. Baleada na perna - Em vídeo feito pela ONG AfroReggae, onde trabalhou como recepcionista por um ano, Gaúcha disse que cometeu o crime por causa do vício em crack. Onda - Segundo a polícia, Gaúcha teve participação confirmada em seis roubos a estabelecimentos comerciais.
► Loura na Vida Loca - Aguardem, em breve em livro, filme e dvd.
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